Inês Sim-Sim no artigo “Sabe-se hoje o que é preciso fazer para formar bons leitores” publicado na revista Palavras nº 26 (Outono, 2004) refere-se à fonologia como uma prática essencial utilizada pelos professores, principalmente do pré-escolar e do primeiro ciclo, para desenvolver nos alunos a prática e o gosto pela leitura. A linguagem realiza-se através de palavras, sendo que a adaptação da oralidade à escrita é muito complexa e tem a ver com o código escrito, mas também com a capacidade de articular sons.
Por isso é tão importante a leitura de histórias às crianças desde a mais tenra idade. A leitura de uma história tem como objectivo transmitir sons que se transformam em palavras e em significados, mas também transmitir imagens mentais que a criança vai construindo à medida que ouve a história. Para que este objectivo se concretize é fundamental escolher com muito cuidado as histórias, tendo em conta que as palavras que as constituem devem ser ricas de conteúdo e harmoniosas e as frases devem ser bem construídas com as palavras mais adequadas.
Quando lemos um texto de Sophia de Mello Breyner Andresen às crianças mais pequenas, possivelmente elas não entendem os significados de todas as palavras, mas se a história for bem lida, o som das palavras é suficiente para lhes prender a atenção, para as fascinar.
Os sons, que se transformam em palavras, entram dentro da criança e ficam à espera do momento propício para germinarem. A criança que já ouviu muitas palavras e associou essas palavras a significados, quando precisar de exprimir uma ideia tem as palavras dentro de si, que nessa altura fazem o caminho contrário. A criança, no seu percurso de vida, vai utilizar essas palavras que ficaram gravadas na memória e utiliza-as para exprimir as imagens que a sua imaginação criou, ou os conhecimentos entretanto adquiridos.
Recorro a outro artigo de Inês Sim-Sim: “De que falamos quando falamos de leitura”, (1994), para continuar o meu raciocínio. A autora fala dos métodos do ensino da leitura nas escolas e sobre a leitura em si como processo de descodificação de símbolos e como apreensão de significados, relacionados com múltiplas variáveis, dentro e fora do contexto escolar:
“A leitura é uma tarefa difícil que as crianças desenvolvem com dificuldade. Os métodos de aprendizagem são fundamentais para que a criança aprenda com eficácia a mecânica da leitura e um desafio muito sério para o professor, que necessita adaptar estratégias adequadas ao desenvolvimento intelectual dos seus alunos. “
Seguindo o pensamento de Inês Sim-Sim, concluo que o ensino da leitura não pode ser ministrado mecanicamente. Ler é “um processo interactivo entre o sujeito leitor e o material escrito” (Sim-Sim:1994), este processo é complexo e é muito mais que o simples descodificar de signos, já que as palavras têm uma dimensão intelectual que ultrapassa os processos mecanicistas da aprendizagem.
A escola tem grande responsabilidade na aprendizagem da leitura, todavia ela é apenas uma parte do processo. Há factores sociais, económicos, culturais, que condicionam a aprendizagem, bem como as dificuldades de interpretação / compreensão do discurso narrativo ou do texto informativo. Esta realidade leva-me a reflectir sobre as causas que conduzem a esta dicotomia de desempenho que me parece ter também a ver com a vivência das crianças fora do contexto escolar. Uma vivência mais rica, contacto com palavras e ideias mais elaboradas na família ou no meio em que vive, contribuirão para o enriquecimento de representações mentais que se reflectirão no entendimento do texto.
A passagem da oralidade à palavra escrita, a criação do alfabeto, a adaptação dos sons aos caracteres alfabéticos leva à facilidade com que a maioria das crianças aprende a escrever e a ler. É um processo que decorre do percurso da humanidade, mas é também um fenómeno social fruto de uma civilização que cria dentro de si a necessidade de comunicar e de conservar memórias, passando da palavra à escrita, do sentido da palavra ao grafismo que a representa.
A escrita, como mecânica de articulação de signos que reproduzem sons, é a verdadeira revolução da história da humanidade, porque permitiu um desenvolvimento a nível intelectual determinante para o progresso das ideias e consequente afirmação do homem.
É, pois, esta ligação entre sons, escrita e sentidos ou significados que está na base de toda a problemática da leitura. Quando lemos, fazemo-lo porque conhecemos o código e dominamos o mecanismo da leitura atribuindo aos diversos sons a sua correspondência gráfica. Todavia saber ler e dominar o mecanismo da leitura não é suficiente para atingir a plenitude da leitura. Esta é atingida quando se transpõe a compreensão das ideias expressas no texto e se tocam os sentidos.
2 de Abril de 2009
Margarida Custódio Fróis
Margarida Custódio Fróis
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