Na aldeia de Cadafaz, na serra de Góis, o frio era intenso, porque se aproximava o Natal. “Ande o frio por onde andar, pelo Natal há de chegar” diziam os mais velhos, e era bem verdade! As casas escuras, cobertas com xisto negro, aconchegavam-se umas às outras à beira de ruas tão estreitas, que nelas mal cabiam os carros de bois. No empedrado, trotavam os cascos das ovelhas, apressadas para os pastos, ou de regresso ao curral.
Luita e Sanel viviam na aldeia e frequentavam a 1ª classe da pequena escola, ensinados pela D. Arminda, a professora primária. Era também a D. Arminda que ministrava a catequese aos meninos e lhes falava do Menino Jesus, filho de Deus Pai, que nascera numa gruta em Belém, na noite de 24 para 25 de dezembro, havia já naquela altura 1957 anos! Luita e Sanel sabiam quem era o Menino Jesus, porque em todos os Natais recebiam uma prendinha no sapatinho, que colocavam junto à lareira. As prendas que cada um recebia eram diferentes: Luita recebia meias, casacos e camisolas, que eram coisas que ele muito precisava, porque a família era mais pobre do que a de Sanel. Este recebia chocolates, doces e brinquedos, porque não precisava tanto das outras coisas que Luita recebia. Mas como eram amigos, Sanel partilhava com Luita as coisas doces que recebia e era assim que devia ser, dizia a mãe de Sanel. Isso agradava ao Menino Jesus.
- Mãe, porque é que temos de pôr o sapatinho ao pé da lareira e não ao pé da porta? - Perguntava Luita à mãe, olhando-a com os seus grandes olhos castanhos.
- Porque o Menino Jesus desce pela chaminé - respondia a mãe - o Menino Jesus é muito amigo dos meninos que se portam bem, mas não gosta de se mostrar. Por isso, ele desce de noite, quando eles estão a dormir, coloca a prenda no sapatinho e volta a subir.
- Mas eu queria tanto, ver o Menino Jesus! – Choramingava o menino, e em cada ano que passava, mais crescia dento de si a vontade de O ver. Estava para chegar mais um Natal e neste, é que havia de ser! Luita não ansiava pelas prendas, nem pelas guloseimas que Sanel lhe haveria de dar. Isso ele tinha garantido, porque nem que fosse apenas um saco de filhós, ele sabia que receberia qualquer coisa. Mas ver o menino Jesus, era o presente mais ansiado.
Nessa noite, esperou que todos dormissem e levantou-se devagarinho, indo sentar-se junto à lareira, mas a espera prolongada fê-lo adormecer. Acordou estremunhado, com a mãe a abaná-lo e então correu para a chaminé e espreitou. Ficou um bocadinho com a cabeça enfiada no buraco e depois voltou para dentro da pequena cozinha, com um sorriso resplandecente e exclamou, com as mãos postas como quem está a rezar, tremendo de emoção:
- Ai mãe, que eu ainda Lhe vi os pezinhos!
Eulália Gameiro
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