segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Para além das estantes: IA, bibliotecas e o futuro das histórias

 

Vivemos tempos de mudança acelerada. O avanço das novas tecnologias, e em particular da inteligência artificial, tem vindo a transformar profundamente a forma como comunicamos, aprendemos e criamos. Hoje, praticamente ninguém se pode dar ao luxo de ignorar estas ferramentas que moldam o nosso quotidiano e o nosso futuro. A inteligência artificial veio para ficar, e é inegável o seu potencial para apoiar o desenvolvimento humano em inúmeros domínios — da educação à ciência, da arte à gestão da informação.

Contudo, num mundo cada vez mais digital, as bibliotecas continuam — e continuarão — a ser espaços de encontro, de partilha e de humanidade. Mais do que simples repositórios de livros, são lugares onde o conhecimento ganha vida, onde as ideias se cruzam e onde as histórias são contadas e recriadas, geração após geração. Cabe a todos os que nelas trabalham preservar e afirmar este papel, reforçando o valor das bibliotecas como pilares da democracia, da inclusão e da aprendizagem ao longo da vida.

Na internet, podemos encontrar milhares de histórias. Mas nenhuma se compara àquela que nasce num espaço acolhedor, rodeado de pessoas, olhares e vozes que se cruzam. O poder das bibliotecas reside precisamente nesse calor humano que nenhuma tecnologia consegue reproduzir — na emoção de ouvir uma história contada, na partilha de um livro, na descoberta feita em conjunto.

A inteligência artificial pode ajudar-nos a explorar novas formas de contar e preservar histórias, a ampliar o acesso à informação e a tornar o conhecimento mais inclusivo. Mas, por mais avançadas que sejam as máquinas, nunca substituirão o ser humano: as emoções, as sensações, a empatia e a criatividade — os verdadeiros lugares onde nascem as histórias.

Assim, ao olharmos para além das estantes, somos convidados a imaginar o futuro das bibliotecas como espaços híbridos, onde a tecnologia e a humanidade se encontram, dialogam e se completam. Um futuro em que a inteligência artificial é uma aliada, e não uma ameaça; em que as histórias continuam a ser partilhadas — não apenas por ecrãs, mas entre pessoas, com o coração aberto à escuta e à imaginação.

Tendo em conta os desenvolvimentos tecnológicos e sociais referidos, é oportuno recordar que o Manifesto das Bibliotecas Públicas da IFLA/UNESCO foi atualizado em 2022. Esse documento reafirma o papel das bibliotecas públicas como agentes essenciais de inclusão social, acesso equitativo à informação, liberdade intelectual, literacia e preservação da memória coletiva — valores que adquirem nova urgência numa era de mudança rápida.

Mas não é somente nas bibliotecas públicas que este compromisso de renovação se faz sentir. Em 2025, foi publicada uma nova versão do Manifesto da Biblioteca Escolar da IFLA/UNESCO, que atualiza e amplia os princípios anteriormente definidos, adaptando-os ao contexto contemporâneo das escolas.

Segundo este novo manifesto, a biblioteca escolar deve constituir-se como um espaço de aprendizagem físico e digital, operado por profissionais qualificados, colaborativo com a comunidade educativa, e orientado para o desenvolvimento das literacias, do pensamento crítico, da criatividade e da cidadania global.

A atualização do documento reconhece que as bibliotecas devem evoluir e adaptar-se à era digital, mas sem perder a sua vocação humana e comunitária. Concordando com estas orientações internacionais, podemos compreender as bibliotecas como espaços dinâmicos, onde as estantes coexistem com algoritmos, e onde o compromisso com o cidadão permanece inalterado.

Fundamentalmente, é necessário que cada um de nós consiga estabelecer um equilíbrio saudável entre o digital e o físico, entre a inovação e a tradição. Num mundo globalizado e interligado, a tecnologia pode — e deve — ser um apoio precioso para aproximar pessoas e ampliar o acesso às histórias e às ideias. No entanto, é no encontro real, no diálogo face a face e na experiência partilhada que se constrói o verdadeiro sentido das bibliotecas e da humanidade que as habita.

Miriella de Vocht
Outubro de 2025

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