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Aguarela de John Trentham |
Recordações
da infância
Saudades! Tenho saudades
Desses tempos que lá vão!
Quando à porta do quinteiro
Eu jogava o meu pião:
Quando no campo corria
Cum papagaio na mão.
Oh, que então eram,
na terra,
Tudo venturas pra
mim!
Meu pai me dava
biscoitos,
Minha mãe beijos sem
fim;
Minha avó me defumava
De manhã, com
alecrim.
Por entre os prados amenos
Como, contente, eu saltei
Com meu chapéu de dois bicos
Que dum papel arranjei,
E em grosso pau a cavalo,
Mais orgulhoso que um rei!
De ser cristão, nessa idade,
Tendo já nobre altivez,
De papelão com a mitra
Que a mano António me fez,
Ao pé da minha igrejinha
Bispo fui por uma vez.
Nos inocentes folguedos
Eu via o tempo voar;
Se um via vinha um sopapo
Que me obrigava a chorar,
Depois, de mimos coberto,
Eis-me a rir, eis-me a brincar.
Meu pião idolatrado,
Que será feito de ti?
Papagaio da minha`alma,
Há que tempo te não vi!
Doces biscoitos de outrora,
Quem mos dera agora aqui!
Meigos beijos, inocentes,
Como ainda me lembrais!
Cheirosos defumadores,
Que saudades me inspirais!
Meu lindo chapéu de bicos,
Não me enfeitarás jamais.
Grosso pau em que montava,
Em cinzas, talvez, será,
A mitra, com que fui
bispo,
Esfarrapada foi já.
E a minha bela igrejinha
Em que mãos estará!
De infância a negra saudade
Que à desgraça me reduz,
A minh´alma espevitando
Tem quase apagada a luz:
Só vivo até que meu peito,
Às escuras, diga: truz!
Faustino Xavier de Novais in
Tesouros da Poesia Portuguesa
Lisboa: Verbo, 1994
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