As famílias reuniam-se à volta da
farrusca e tosca lateira ou da incandescente braseira de lata ou de cobre,
apoiada no estrado de madeira, lavado com sabão amarelo. Bebiam chá, comiam as “filhoses”,
os sonhos, as rabanadas, as broinhas e tagarelavam noite dentro.
O coração saltitava no peito dos
pequenos, “bêbedos de sono”, espremendo teimosamente as pestanas, cada vez mais
pesadas…
Dormiam em sobressalto,
estrebuchando de pesadelos, na ânsia de ver um MENINO JESUS, descalço, pezinhos
rechonchudos, descer pela chaminé a gemer de cal branca ou forrada de jornais. Pela
calada da noite, pé ante pé, evitando qualquer ruído, vinha pôr o presente em
cada meia ou num roto sapatinho, reluzente de graxa.
Os olhitos brilhavam como
pirilampos, ao acordar durante a noite, pelo ténue rumor do papel que os
Divinos pés roçavam de mansinho.
Na manhã seguinte, trocavam,
euforicamente, informações com as outras crianças da rua, algumas descalças,
pés enregelados, monco no nariz, olhos remelados.
O Menino tinha deixado um
pacotinho de papel pardo com um coscorel, dois rebuçados, um torrão de açúcar,
sonhos de abóbora e, nas pequeninas mentes, sonhos, sonhos, sonhos até às
estrelas celestes…
Neste momento, o pensamento dos
sobreviventes voa para o Céu… tentando, com saudade, descobrir a Lurdes e a
Eulália, as mais entusiastas.
Em casas mais abastadas, reunida
à mesa da consoada uma família de mais de 30 pessoas, onde o peru era rei e a
alegria e a amizade não tinham limites, reluziam uma máquina de costura, um
fogão ou um minúsculo regador de lata, as panelinhas de alumínio “topo de gama”,
um automóvel, um baralho de cartas, uma gaita ou um assobio de barro, retirados
do grande saco que aparecia inexplicavelmente junto da lareira, enquanto
consoávamos.
Corridas loucas por toda a casa à
descoberta do Menino Jesus! Em vão…
- Para o ano não vamos estar
distraídos. Havemos de apanhá-lo!
Brinquedos partilhados em jogos
inocentes com vizinhos ou amigos.
Onde estará reunida esta enorme
família? Que vazio deixou no coração das, apenas… três sobreviventes?!!!...
O Presépio, de musgo verde
viçoso, carumas e pinhas da Mata ou da Quinta da D. Guilhermina, era feito ao
cimo da Quelha sem saída. As figuras eram do barro da Cerâmica, modeladas
toscamente com cabelos de feno ou de ervinhas, feitas com tanto entusiasmo e
primor que boca, olhos, cabelos e mãos dos artistas eram tudo barro como o
burro, a vaca ou os Reis Magos!
Só o menino, emprestado por algum
crente adulto, tinha a perfeição das vistosas imagens compradas nas barracas da
feira do Mont’Alto. Ele era, afinal, o Divino aniversariante. Fazia quase 2000
anos, mas nascia todos os anos, na noite de Natal, ao cimo da nossa Quelha sem
saída, no Cimo de Vila.
Para o aquecer, em substituição
do cepo, acendia-se uma pequena fogueira e as brasas eram levadas para as
braseiras ou escalfetas das casas mais frias.
O Pai Natal era desconhecido no
nosso tempo. Não ousava sair de casa, sentado ao borralho, lá no Pólo Norte. Por
acaso já estive na casa dele. Disse-me que carregava tantos brinquedos, para
ajudar o Menino Jesus, aborrecido com tanto peso material, desnecessário.
Outrora, o AMOR era o manto azul
luminoso que agasalhava cada lar com a centelha de LUZ, trazida da Missa do
Galo.
O Pai Natal dava razão ao “Principezinho”
de Saint-Exupéry:
“Só com o coração é que
conseguimos ver claramente. O essencial é invisível aos olhos!”
Que neste Natal, o
Presépio vivo, viva em cada coração!
M. Olívia Nogueira
Arganil, Dezembro 2021
Sem comentários:
Enviar um comentário
O seu comentário é bem vindo! Partilhe as suas ideias sobre livros e escritores, tente seduzir alguém para o prazer de ler!