Hábito e Gosto são dois conceitos que, neste contexto, podem produzir uma conexão profunda entre si, ou não.
Será que quem tem hábitos de leitura, tem obrigatoriamente o gosto e o prazer de ler?
Aplicada à leitura, a palavra hábito indica que aquela pessoa habitualmente lê. Que o faz de forma continuada. Analisemos em que contexto lê: por obrigação, porque tem que prestar provas e precisa de se preparar? Profissionalmente, porque as suas funções a obrigam à actualização de conhecimentos e por isso é obrigada a ler? Porque gosta de estar informada sobre o que se passa no mundo, no seu clube de futebol ou nas “fofoquices” sociais e então lê jornais e revistas? Ou porque gosta simplesmente de ler e para além das leituras obrigatórias e informativas, lê simplesmente como evasão, porque lhe dá prazer ler ficção, poesia?
É aqui que os dois conceitos se tocam: hábito e gosto completam-se quando se realizam todas as formas de leitura: leitura informativa / formativa e leitura literária / recreativa.
Parece-me interessante reflectir sobre os caminhos que conduzem a estes dois conceitos. Quanto ao hábito chega-se lá pela prática. Desde muito pequenas as crianças tomam contacto com a leitura. Aprendem a ler. Lêem porque precisam de estudar. Praticam a leitura em contexto escolar, daí adquirirem algum hábito. Poderemos então questionar: quando a leitura deixar de ser uma imposição escolar, ou profissional, continuará a ler?
A leitura é uma prática que passa para além da dimensão física das palavras. Ou seja, não é uma prática linear, tem uma dimensão psíquica, cognitiva que está muito para além do signo escrito. Ela toca os sentidos e transforma-se em arte.
Quando alguém lê e pode ler muito, mas lê apenas porque é necessário aprender, porque é importante estar informado, a leitura está a cumprir apenas uma função: dar significado, transmitir conhecimento.
Mas quando ler se torna uma prática indispensável e, no sentido estético, se transforma num alimento para a alma, como quando se ouve música, ou se admira uma peça de arte, essa leitura não é aquela de que falávamos anteriormente. Esta leitura desperta em nós novos estados emocionais e transporta-nos para mundos diferentes que não conhecemos, mas que passamos a habitar, porque se tornam parte integrante do nosso imaginário.
Seguindo este raciocínio, concluímos que hábito e gosto pela leitura, são dois conceitos que podem ou não coexistir. Contudo, a não coexistência fragiliza-os; se existe hábito sem gosto, facilmente se deixa de ler, o hábito vai-se perdendo e se não houver nada que o alimente, morre.
Também o gosto, se não houver hábito, terá um caminho difícil. Ler não é uma tarefa fácil, pelo contrário é uma tarefa penosa quando não se adquiriu a destreza necessária para a sua prática fluente. Logo, apenas o gosto não chega para atingir os objectivos que pretendemos quando falamos de índices de leitura. Como diz Raquel Villardi (2002) :
“Habituar o aluno a ler tem-se mostrado inócuo, insuficiente (embora desejável) para que se forme um cidadão capaz de incorporar a leitura às actividades do seu quotidiano. Isto só ocorre quando a leitura é vista não como o cumprimento de um dever, mas como um espaço privilegiado, a partir do qual tanto é possível reflectir o mundo quanto afastar-se dele, um espaço no qual é possível encontrar aquilo que a vida nos nega, quer sob a perspectiva da realidade (enquanto informação, conhecimento), quer sob a fantasia. E para que isso ocorra, para que se forme um leitor para toda a vida, o hábito só por si, não chega. Há que se desenvolver o gosto pela leitura.”
Reflectindo sobre esta problemática, podemos ensaiar o seguinte raciocínio: a leitura mecanizada produz o hábito; a leitura trabalhada para os sentidos faz nascer o gosto. A associação dos dois conceitos cria leitores para toda a vida.
Margarida Fróis
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