sexta-feira, 8 de abril de 2011

O maravilhoso mundo dos livros

“Adorava, por exemplo, ler. Começara por soletrar títulos nos jornais, ainda antes de entrar para a escola. Quando chegou à segunda classe, já abria todos os livros, cheirava de olhos fechados o papel, juntava todas as letras, decifrava todas as palavras. Aninhava-se nas histórias e nas suas personagens, adormecia a sonhar com elas e acordava a brincar nos mesmos lugares por onde tinha deambulado no dia anterior, algures dentro da sua cabeça. (…) Nos livros mais infantis, passava o dedo pequeno pelos contornos das letras e tentava ignorar os bonecos, para que não influenciassem as imagens que desenhava na sua imaginação. Preferia os livros só com letras. Fiadas de letras, alinhadas nas páginas, arrumadas e obedientes. E delas brotavam pessoas, mundos, séculos de histórias, uma copiosidade de lágrimas e sorrisos sem tino, uma desordem de vida vinda daqueles exércitos tipográficos. (…) Alice nunca pedia doces ou guloseimas aos pais, ao contrário do que já tinham aprendido a fazer os seus irmãos. Nos aniversários e no Natal, nunca os perseguia com pedidos de bonecas e brinquedos, apenas livros. E quando alguém lhe oferecia um, abria-o de imediato, encostava o nariz às folhas e inspirava profundamente, com uma sensualidade inadequada aos seus poucos anos de vida. Mas nada a fazer, adorava o aroma do papel, da tinta e logo aí decidia ao que cheirava a história.”

Excerto de:

Soares, Luís. - Em silêncio, amor. Cruz Quebrada: Oficina do Livro, 2007*


* Disponível para empréstimo na Biblioteca Municipal Miguel Torga

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