[Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante]
de Maria do Rosário Pedreira
Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono – a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão onde não chegam as guinadas da
morte e das conchas da praia trazem pérolas. Aí
nos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-me
depois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabem
que o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome – porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.
In: Em nome do pai: pequena antologia do Pai na poesia portuguesa
[S.l.]: Modo de Ler, 2008
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