Jean Marie Goulemot em “De la lecture comme production de sens” (Goulemot,1993:115), fala de uma leitura cultural, como produtora de sentidos, de compreensão e de prazer. Para o autor a leitura seja popular, erudita, ou letrada é sempre produtora de sentidos, de sensações.
«Lire, c’est donc constituer et non pas reconstituer un sens. La lecture est révélation ponctuelle d’une polysémie du texte littéraire.» O autor pretende com este texto entender a leitura sob o ponto de vista do leitor, as situações de leitura e os factores que as determinam.
O autor define o leitor, na sua ligação com o texto, através de uma fisiologia, uma história e uma biblioteca.
A postura física que assumimos quando lemos, sentados no sofá ou na cadeira, à mesa ou secretária, em locais públicos ou na intimidade, dá alguma indicação da atitude que assumimos perante a leitura. Como se lê e em que locais. Lemos na mesma posição física um romance, banda desenhada, um livro de estudo, ou poesia? A leitura e as emoções que a leitura nos pode proporcionar revelam-se na forma física como lemos?
“Il y a une dialectique inscrite dans l’histoire du corps e du livre”, diz Goulemot.
Contudo, a atitude física que assumimos enquanto lemos, passa para além do próprio texto, porque tem a ver com o nosso próprio percurso, com a nossa sensibilidade, com a forma com que vemos o mundo, a partir dos nossos próprios conhecimentos. Nós somos como que uma caixa de ressonância de tudo que nos envolve e reagimos de acordo com a nossa sensibilidade, através do olhar com que vemos o mundo e o reconhecemos. Isto leva-nos a uma apropriação muito singular da interpretação, do sentido do texto que lemos e a atitude física que assumimos ao ler, revela esses sentimentos.
Há um percurso. Um percurso histórico que nos constrói como cidadãos e que nos marca na nossa forma de pensar e de ver os acontecimentos, de reagir perante um texto. Este está para além das palavras que o compõem, o texto dos sentidos, dos nossos sentidos que condiciona inexoravelmente a leitura que fazemos, à luz da história cultural de que fazemos parte.
O mesmo texto lido em épocas e situações diferentes desperta em nós sentimentos diversos. É essa a riqueza do texto e da leitura que desperta em nós sensações novas e permite vários olhares. Poderemos dizer que um bom texto literário é aquele que permite várias leituras. É a riqueza da arte seja ela qual for.
A leitura de um texto não se faz isolada de outros textos. É precisamente esse percurso de que falava há pouco e que nos vai construindo a partir das leituras que fazemos. A intertextualidade está presente sempre que lemos ou escrevemos. Outros livros que já lemos, outros textos que estudámos, outras vivências culturais estão presentes porque interiorizamos essas ideias que depois desabrocharam dentro de nós e nos permitem perceber outros significados, outros sentidos. “Lire, ce serait donc faire émerger la bibliothèque vécue, c’est-à-dire la mémoire des lectures antérieurs et des données culturelles. » (Goulemot,1993:122)
Esta noção de biblioteca, que não é a biblioteca física, mas que guarda e disponibiliza as fontes do saber, é como que um enorme arquivo onde guardamos, dentro de nós, toda a informação, todas as sensações que vamos recolhendo ao longo da vida. Mas é também um arquivo colectivo que nos insere numa comunidade e numa cultura em que nos movimentamos e onde aprendemos "comunitariamente” experiências que fazem parte de um percurso de vida. As experiências que vivemos fisicamente e aquelas que vivemos através dos livros que lemos e da informação que nos chega, alimentam e constroem as nossas convicções.
“Louis Marin a écrit que le récit est un piège, j’ajouterai qu’il est une mécanique à produire des effets et que la lecture est en fin de compte la mise en branle de cette machine dans une confrontation avec le corps, le temps et la culture acquise.» (Goulemot,1993 :125)
Esta biblioteca interior que se alimenta e nos alimenta através do texto lido, mas também de outras formas de arte que nos sensibilizam e enriquecem e ainda de toda a nossa vivência social e cultural é, com efeito, o suporte daquilo a que chamamos civilização.
Margarida Fróis
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