quarta-feira, 20 de março de 2024

Tempo para a Poesia: "Longo caminho breve: poesias escolhidas 1943-1983"

Fábula

Não a lua do vulgo fria
e aburguesadamente calma
Mas de outra que se refletia
nos poços da sua alma

A lua dos poetas aéreos
criada por mãos impossíveis
num gesto lasso mole…
A senhora de vagos mistérios
criadora de mundos falíveis
à luz do sol

E o lobo sombrio e langue
que sob a lua vadiava
por montes e sombras de povoado
apenas delirava
bebendo sangue
das reses do rebanho imaginado

E a lua era a sua janela
o campo a chegada e a partida
o palco o público e a cena
de tudo Por isso fora dela
não habia poesia nem vida
que valesse a pena

Sua dor que vinha do fundo
em galopadas a esmo
tornava-se a maior dor do mundo
porque ele devorava-se a si mesmo

Então, aos uivos, mordia a lua
nos poços da alma espelhada
mas a boca ficava nua
água de poço e mais nada

Vai um dia
após noites amarelas
ao fugir dos longos fantasmas da lua
bateu com a alma na esquina da rua 
e viu estrelas

as primeiras estrelas vividas

Luís Veiga Leitão in
Longo caminho breve: poesias escolhidas 1943-1983

Livro disponível para empréstimo na Rede de Bibliotecas Públicas de Arganil.

Leia, porque ler é um prazer!

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