A propósito da apresentação do “Cassador de Muros” de Ana Filomena Amaral devo dizer que é o titulo que primeiro nos chama a atenção para o livro. À primeira vista um erro ortográfico. Impossível, pensamos nós. Esta palavra não pode ter o mesmo significado que a palavra caçador. Procuramos no dicionário etimológico e encontramos a palavra cassa e descobrimos que vem do latim cassare, cujo significado é: destruir, aniquilar, anular.
Muito bem, a partir da raiz da palavra formamos novas palavras, daí cassador, aquele que destrói, aniquila, anula os muros.
Bom, passada esta fase, as coisas começam a fazer sentido. Pois Alberto, o personagem principal deste romance, um jornalista português entediado no dia-a-dia do jornal onde trabalha, em Lisboa, vê-se de um momento para o outro catapultado para realidades, sensações, momentos que ele não julgava poder vir a ter.
Descobrimos na leitura do livro que ele é uma personagem que se desconhecia a si próprio, pois quando desperta para esse novo eu, tudo nele se transforma.
Da pacatez do seu dia-a-dia ele passa a viajante compulsivo de realidade em realidade, onde há sempre um muro que ele gostaria de destruir.
Mas os muros que ele vai encontrando não são apenas muros físicos, são muros de vivências escondidas, de sofrimento, de dor. Muros de ausências e de vidas perdidas atrás dos muros.
Alguns são verdadeiros muros erguidos pelo lado mau que os homens têm, onde se esconde a sua pequenez e a sua cobardia se revela.
A maldade que está subjacente à construção do muro de Berlim, é a mesma que ditou a construção do muro na Palestina, na Irlanda do Norte, ou na Coreia do Norte. São muros que os homens constroem porque não sabem usar a arma que é a PALAVRA, talvez a arma mais poderosa que existe e quando bem usada, a mais eficaz.
Quando a PALAVRA não é usada, surgem outras armas mortífera, destruidoras que apenas deixam sofrimento e morte.
Junto aos muros físicos, Alberto encontra outros muros que ele próprio construiu, porque a vida nos obriga por vezes a construir muros. Muros que nos afastam dos outros e que não temos coragem para aniquilar, para anular. Quando, por vezes, o conseguimos, verificamos que o muro que construímos nos impediu de ver o outro lado e consequentemente de nos libertarmos e sermos, talvez, mais felizes.
No livro que a Ana Filomena Amaral escreveu é precisamente isto que acontece ao herói do romance. Ele é um aniquilador de muros. Em primeiro lugar os que construiu consigo próprio e que vai vencendo nesta viagem, depois os que foram sendo construídos e o afastaram de gente que lhe era querida. Nas viagens que empreende em busca de muros físicos o acaso e felizes encontros vão-lhe permitir destruir alguns dos seus próprios muros.
Outro aspeto que desperta a atenção neste livro é o caminho que a autora tomou e a linha de acontecimentos que se vão sucedendo, passando por cenários pintados de cores escuras: a tristeza, a morte, a dor a saltarem a cada momento em pontos geográficos muito distantes entre si e que parecem globalizar os ditos cenários pelas suas semelhanças em cada diferente situação.
Mas em simultâneo, outros cenários são construídos.
À dor opõe-se a alegria do nascimento de novos seres.
À solidão opõe-se a alegria do encontro com antigos e novos amigos.
Ao isolamento familiar opõe-se o surgimento de uma família unida, feliz.
À pobreza opõe-se a opulência dos mais ricos.
A autora leva-nos através de cenários de grande pobreza material e o oposto, e em todos estes caminhos há muros que são derrubados e aniquilados, mas muitos muros subsistem e subsistirão porque os homens são em simultâneo construtores e aniquiladores de muros.
Parabéns à autora por nos levar em viagem a locais críticos do mundo de hoje, onde o sofrimento das pessoas ultrajadas na sua dignidade, deixam envergonhados todos aqueles que se consideram pessoas civilizadas no século XXI.
Margarida Fróis
Leia, porque ler é um prazer!
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