terça-feira, 11 de novembro de 2014

O mês de Outubro


Amigos de Ler” é um clube de leitores livres e apaixonados pelas suas leituras, que se reúnem mensalmente na Biblioteca Municipal de Arganil.
No passado mês de Outubro falou-se precisamente sobre Outubro e sobre o que esta palavra trás à memória.
A amiga e escritora Drª Leonarda Tavares, apesar de não ter comparecido partilhou o seu testemunho “o mês de Outubro” que foi lido no serão do dia 13 de Outubro e que agora partilhamos no blog.

O Mês de Outubro

Viciados num quotidiano de banalidades passamos pelos dias sem nos apercebermos ou compreendermos o significado de tantas pequenas coisas que são a vida, a nossa caminhada pelo mundo.

O grupo que tem vindo a encontrar-se, regularmente, na biblioteca, decidiu refletir, na próxima tertúlia, sobre outubro.

Aparentemente é apenas o décimo mês do ano no calendário gregoriano, tendo a duração de trinta e um dias. Deve o seu nome à palavra latina octo (oito), dado que era o oitavo mês do calendário romano, que começava em março.

Medimos o tempo. Dividimo-lo em anos, meses, semanas, horas, minutos e segundos. Mas sem muros, nem fronteiras. Passado, presente ou futuro são um rio sempre a correr da nascente até à foz. Água barrenta ou azul a ondular ao vento, chega às entranhas da terra para brotar de novo e ser fonte de energia revitalizadora.

Se escrevermos a palavra outubro numa folha de papel e a olharmos atentamente, ela anima-se de uma vida plena de memórias, de paisagens, de sentimentos, de imagens, de aromas e de sabores.

Devo confessar que este mês, durante vários anos, foi o mais triste do ano.

Terminavam as longas férias do verão e o seu início significava o começo das aulas e a separação da família.

Estudei num colégio interno, como tantos jovens da minha geração e, ainda hoje, sinto a dor, apesar de longínqua, das lágrimas de outubro. Os meus familiares teimavam em escondê-las e eu, ao contrário, derramava-as em abundância.

Sentia revolta, mas não sabia, nessa época, que a minha partida forçada se devia ao exíguo número de escolas, especialmente no interior, consequência da política de um ditador apologista da ignorância do seu povo.

Volvidas várias décadas, o tempo suavizou o passado e o mês apresenta-se lavado e perdoado.

Aprendi a gostar de outubro. O rodopio do verão sabe a sol, a mar e a encontros. Prendo-me mais ao visível. Fico sem tempo para apreciar o interior das pessoas e das coisas.

O cheiro a terra molhada e a mosto, o esvoaçar das folhas e os dias a minguarem, são um convite ao invisível: ao que vem de nós, dos livros, da chama da lareira, do cair da chuva, das noites longas e da esperança de uma nova primavera.

No silêncio ouvimos a alma, deixamos voar a memória e encontramo-nos na autenticidade do que realmente somos.

As flores, as árvores e toda a natureza fatigadas de tantos frutos e de tanta beleza, sem pressa, entregam-se a um merecido descanso.

Partem as andorinhas em busca de um céu mais azul.

Apetece-me um poema de aromas e de sabores perfumado de maçãs, marmelada fresca e frascos coloridos de compota.

Equaciono a minha condição de pessoa com a minha comunhão com os outros e imagino a imensidão de palavras que poderia ter escrito sobre o tema proposto pelo grupo.

Porém, os pensamentos são fugazes. Os que fixo no pedaço de papel são os que navegam parados no momento em que os agarro. Por isso os tornarei a ver.

Dos incontáveis acontecimentos ocorridos ao longo dos muitos outubros, guardo os que a memória me conserva, os que o coração teima em acordar em meu redor.

A escrita é um ato solitário. Gostava de partilhar as surpresas literárias do convívio. Contudo, o rumor citadino leva-me pelas ruas, apressada, sem olhar os olhos de quem passa. Há folhas adormecidas, espalhadas pelo chão, impregnadas de sonhos e de odor a castanhas. É outubro.

Maria Leonarda Tavares

Leia, porque ler é um prazer!

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