Praça da Canção, de Manuel
Alegre, há muito ultrapassou as fronteiras da literatura para assumir uma
dimensão simbólica ou mesmo mítica. Quando saiu, no início do ano de 1965, há
51 anos foi também um incisivo retrato de uma « [...] pátria parada / à beira
de um rio triste», foi uma bandeira desfraldada e um rastilho de resistência e
luta contra a ditadura. Hoje, cerca de quatro décadas depois da profunda
mudança da realidade (aparentemente?) na génese da maioria dos seus poemas, e
que em parte explica a sua imediata extraordinária repercussão e influência, a
Praça da Canção «continua»: sucessivas gerações a leram, ouviram, se calhar
cantaram, de certo modo viveram. E isto diz muito, se não tudo.
[...]
Os versos de Praça da Canção
andaram, desde sempre, de boca em boca, de mão em mão, de coração em coração,
em simultâneo singular expressão individual de um poeta e vigorosa voz coletiva
de um povo.
(poema "Estou Triste" dito por Mário Viegas)
É preciso saber porque se é triste
é preciso dizer esta tristeza
que nós calamos tantas vezes mas existe
tão inútil em nós tão portuguesa.
É preciso dizê-la é preciso despi-la
é preciso matá-la perguntando
porquê esta tristeza como e quando
e porquê tão submissa tão tranquila.
Esta tristeza que nos prende em sua teia
esta tristeza aranha esta negra tristeza
que não nos mata nem nos incendeia
antes em nós semeia esta vileza
e envenena o nascer de qualquer ideia.
É preciso matar esta tristeza.
Manuel Alegre, Praça da Canção, 1965
Nota biográfica: Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu em 1936, em Águeda. Estudou em Lisboa, no
Porto e na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Foi campeão de
natação e actor do Teatro Universitário de Coimbra (TEUC).
Em 1961 é mobilizado para Angola.
Preso pela PIDE, passa seis meses na Fortaleza de S. Paulo, em Luanda, onde
escreve grande parte dos poemas do seu primeiro livro, Praça da Canção.
A sua vasta obra literária, que
inclui o romance, o conto, o ensaio, mas sobretudo a poesia, tem sido
amplamente difundida e aclamada.
Foram-lhe atribuídos os mais
distintos prémios literários: Grande Prémio de Poesia da APE-CTT, Prémio da
Crítica Literária da AICL, Prémio Fernando Namora, Prémio Pessoa em 1999 e Prémio
Vida Literária da APE em 2016. Ao seu livro de poemas Doze Naus foi
atribuído o Prémio Dom Dinis.
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