sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Tempo para a poesia LXXXIX

Na solidão

Pedi ás selvas um consôlo amigo,
e um dôce abrigo quiz achar então,
abrindo ás auras o sacrário da alma,
aonde a calma êu procurava em vão.

E mêsmo lá, n'um delirar de louco,
vi que era pouco algum prazêr, que tive!
É que, inda à sombra de florífera râma,
longe do que âma, o coração não vive.

Tudo nos bosques era gala e festa!
tôda a floresta pâra mim sorria!
Sentei-me... ergui-me... dôidejei... ás flôres
contei amôres, que ninguem sabia.

Por entre as matas de um odôr selvagem,
corria aragem, não faltava luz!
o sol gravava, em sêu formôso manto,
o mago encanto, que a solidão produz!

Mâs... ai! fui triste! Olhei ao longe e ao perto,
e o olhar incerto não te viu, amôr...
a ti, ó ente, que a minha alma entendes,
e que me prendes, com estrânho ardôr.

Êu quiz mirar-te n'um gentil regato,
que d'entre o amto se escoava a mêdo,
parei... fugiste, celestial miragem,
bem como a aragem, por entre o arvorêdo

Quiz a cabêça recostar-te ao braço,
no têu regaçõ delirar... cair...
sentir o arfar do têu virgínio sêio,
e em dôce enlêio a tua fala ouvir.

- Engâno! engâno! - dizia êu tremênte!
- Engâno! - a mente me bradava ainda!
Fôi-se o desêjo... tudo lá faltava...
só me restava uma suade infinda.

E essa saudade, que êu então sentia,
e essa gonia, que êu então sofri,
estão na FLÔR - que te mandei -, objecto
que diz o afecto, que me prendi a ti.

Maio - 1872

Sanches de Frias in Horas perdidas
(livro disponível para consulta na Biblioteca Municipal de Arganil)

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