quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Tempo para a poesia: "Boitempo: menino antigo"

Dois rumos

Mentir, eis o problema:
minto de vez em quando
ou sempre, por sistema?

Se mentir todo o dia,
erguerei um castelo
em alta serrania

contra toda escalada,
e mais ninguém no mundo
me atira seta ervada?

Livre estarei, e dentro
de mim outra verdade
rebrilhará no centro?

Ou mentirei apenas
no varejo da vida,
sem alívio de penas,

sem suporte e armadura
ante o império dos grandes,
frágil, frágil criatura?

Pensarei ainda nisto.
Por enquanto não sei
se me exponho ou resisto,

se componho um casulo
e nele me agasalho,
tornando o resto nulo,

ou adiro à suposta
verdade contingente
que, de verdade, mente.

Carlos Drummond de Andrade in
 Boitempo: menino antigo

Livro disponível para empréstimo na Rede de Bibliotecas Públicas do Concelho de Arganil.

Leia, porque ler é um prazer!

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