Equinócio da Primavera
Da noite a aragem, tépida refrescando vem
surpreender as luzes, que interiores, se apagam
lentamente, uma após outra, como em madrugada
ao longe as luzes de outra margem – rio
descido pelas águas tenuemente crespas,
sombras passando, e escorre matutina,
ainda sem brilho, a vibração das águas,
enquanto rósea apenas de uma aurora ausente
a crista das montanhas reverdece.
Por sobre a plácida e pensante aragem física
das violações diurnas, de amarguras,
vilezas vistas e traições sonhadas,
notícias de jornal e desafios,
guerra eminente ou, mais que dolorosa,
cravada nas imagens de uma paz sombria,
perpassa a noite véus de primavera,
glicínias que amanhã estarão floridas,
e folhas verdes, muito frágeis, tenras,
e o azular-se o mar, o distanciar-se o céu
na crua luz que juvenis sorrisos,
traços ligeiros de alegria funda,
devora lentamente, e as rugas ficam..
– ao longe as luzes de outra margem, rio
onde a noite se esconde até à morte.
Jorge de Sena in Poesia - I
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