terça-feira, 29 de março de 2016

Elogio da Loucura de Erasmo


XVII – Mas o homem, nascido para administrar as coisas, deveria receber um pouco mais do que uma onça de razão. Júpiter consultou-me a este respeito, e dei-lhe um conselho digno de mim: o unir a mulher ao varão. A mulher é um animal louco como nenhum, inepto, ridículo e delicioso que no convívio doméstico atenuaria a tristeza do engenho viril com a loucura feminina. E claro que, quando Platão parece hesitar em incluir a mulher entre os animais racionais, nada mais pretende do que indicar a loucura insigne desse sexo. Quando por acaso uma mulher quer passar por sábia, não faz mais do que dizer que é duas vezes louca. Ninguém vai ungir um boi para a palestra, nem Minerva o consentiria. Não procedamos, pois contra a natureza; o vício fica agravado quando dissimulado de virtude, por maior que seja o engenho. É bem justo o provérbio grego: um macaco é sempre um macaco, ainda que vestido de púrpura. Assim também a mulher é sempre mulher, quero dizer sempre louca, ainda que ponha uma máscara.

As mulheres não me podem levar a mal que lhes atribua a loucura, porque eu também sou, além de mulher, a própria Estultícia. Vendo bem as coisas, devem ser gratas à Estultícia que lhes permite serem mais felizes do que os varões. Têm a graça de formosura, mérito que antepõe a todas as coisas, e que lhes serve para tiranizarem os próprios tiranos. O varão tem formas rudes, a cútis Híspida, a barba selvagem, e tudo isto o envelhece embora signifique sabedoria; as mulheres, com as faces sempre macias, a voz sempre doce, a pele sempre lisa, têm a seu favor os atributos da Juvência perpétua. Por que optam elas nesta vida, senão por agradar da melhor maneira aos varões? Não é essa a razão de tantos cuidados, enfeites, banhos, perfumes, penteados, cosméticos, cremes, pinturas, de tanta arte no embelezamento do rosto e dos olhos? Não é a Loucura da deusa que lhes entrega da melhor maneira os varões submissos? Que é que eles não prometem às mulheres, e que é que eles não lhes permitem? E tudo isto em troca de quê, se não da voluptuosidade? Quem permite todas estas delícias é a estultícia. Basta reparar na figura que o varão faz, e nas tolices que diz à mulher quando pretende obter a volúpia que ela concede.

Sabeis agora qual é o primeiro e o principal prazer da vida, e de que fonte decorre. 

Erasmo In Elogio da Loucura

Erasmo de Roterdão ou Desidério Erasmo (nome literário adotado por Geert Geerts – Roterdão ou Gouda, Holanda, 28 de outubro de 1466/7 ou 69; Basiléia, Suíça, 12 de julho de 1536) foi um humanista e filósofo holandês famoso pelo seu amplo conhecimento dos mais diversos assuntos ligados ao conhecimento humano, além de um dos maiores críticos do dogma católico romano e da imoralidade do clero.


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