quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Tempo para a poesia XXXVIII


AMIZADE

Penso por instantes no amor,
e enquanto penso
o amor é para mim um mundo,
carne única, a mais doce bebida,
íntimo e comunicante
elo de união
entre o céu e a terra.

Sei apenas
que é a minha maior felicidade,
não sei como nem porquê;
por mais que tente,
nem que estivesse a morrer
lograria explica-lo.

Ao meu amigo bem perguntaria
como pode isso ser,
mas chegado o momento
o amor é para mim mais amoroso
que tudo o resto
e fico mudo.

Pois se a verdade fosse conhecida,
o amor não pode falar,
pode apenas pensar e actuar;
embora por certo isso transpire
sem ajuda do grego
ou qualquer outra língua.

Um homem pode amar a verdade
e praticá-la,
admirar a beleza,
não omitir a bondade,
tanto quanto isso possa convir
à reverência.

Mas só quando estas três e conjugam,
como elas sempre predispõem
e dão lugar a uma só alma
e a um refúgio favorito
da beleza;

quando sob forma afim, quais amores e ódios
e afim natureza,
elas proclamam que sejamos amigos
a iguais destinos expostos
eternamente;

e que cada qual pode o outro ajudar,
e auxílio prestar,
entrançando faixas de amor mais apertadas,
de tal nunca esse homem se arrependerá
enquanto um mais um forem dois
e dois forem um;
com isso só demonstra o homem por inteiro,
tão plenamente quanto o possa fazer,
o poder que há no amor.
E a sua alma mais íntima faz avançar
Irresistivelmente.
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Dois robustos carvalhos,
ou seja, ao lado um do outro,
enfrentam a tempestade da invernia,
e apesar do vento e da maré
o orgulho da campina cresce
porque ambos são fortes.

Por cima mal se tocam, mas escavando
até à sua fonte mais profunda
admirados veremos
que as raízes estão entrelaçadas
inseparavelmente.

Henry David Thoreau

tradução e versão de Júlio Henriques
In: A ideia: revista decultura libertária nº 81-83 (Outono 2017)

Nota biográfica: Henry David Thoreau (1817-1862) foi um ensaísta, poeta e memorialista norte-americano. As suas obras mais conhecidas são o ensaio Desobediência Civil (1849), no qual defende as liberdades civis e a resistência passiva contra os abusos do poder estatal, e a obra-prima Walden (1854).

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