Sinopse:
Mala de Senhora e outras histórias trata-se de um livro de pequenos contos independentes, originalmente publicado em 2004. Segundo a jornalista e autora Clara Ferreira Alves em Portugal este é um género de literatura menor; sublinhando ainda que: “Na verdade, contar contos e histórias é um dos sinais da literatura, e o que não se consegue fazer em pequeno, jamais se conseguirá fazer em grande”.
Clara Ferreira Alves explora neste livro ao longo de 186 páginas e 12 histórias o mundo à nossa volta (os hábitos sociais, a globalização, o mundo virtual, a infelicidade quotidiana) e temas universais da literatura, como a inevitabilidade da morte.
Apesar de em alguns contos faltar alguma profundidade ao tema explorado, no final da leitura desta obra fica a impressão de uma escrita fluida e agradável, num tom incisivo, penetrante e irónico capaz de envolver o leitor e despoletar a sua reflexão sobre temas que afinal fazem parte da vida de todos nós.
Excerto:
“O homem olhou para mim com os olhos muito abertos e disse: «o meu nome é Marco. Agora sabe quem eu sou e por que estou aqui». E ficou à espera.
Eu olhei para ele com os olhos muito franzidos e encolhi os ombros. Marco? Desculpe, como é que posso saber quem é você?
O meu nome é Marco, repetiu ele, enquanto coçava e recoçava o queixo e a barba num movimento obsessivo, compulsivo, mostrando um teclado de dentes amarelos ao repuxar a pele. Era um movimento curto, furtivo e sincopado, o gesto dos psicóticos. Ou dos neuróticos. Eu disso não percebo nada, não sou psiquiatra. Marco? Quem é o Marco?
Tinha ido ao hospital para almoçar com um amigo meu, médico.
«Eh pá, aparece, eu estou cá toda a manhã, depois vamos a um restaurante aqui perto, já agora ficas a conhecer o hospício da humanidade mais definhada que existe. Podes até passear pelas enfermarias à vontade se eu não tiver acabado a consulta. Aproveitas e confraternizas com o pessoal maluco, tudo gente de primeira água, é com eles que passo os dias. Ganhei-lhes carinho. Andam por estes pavilhões uns espécimes interessantes, dos quais o mundo se esqueceu e a família nunca se lembrou, a arrastar os pés pelos corredores e a babar-se pelas celas. Não fazem mal a ninguém, são uns pobres coitados, adoram encontrar companhia e conversar com estranhos que são ouvintes ideais.»
O meu amigo é um psiquiatra meio doido como todos os psiquiatras, um homem que tem o gosto da hipérbole e que lê tudo o que apanha à mão, que se fecha em casa horas a fio a ouvir Bach com uma partitura - «esta Chaconne mata, morro de insignificância quando a música me entra pelo coração dentro» - e que nunca casou. É rico e não precisa de trabalhar no hospital, onde é director de clínica. Escolheu a convivência com as patologias mentais porque lhe parece uma actividade mais sã do que com a convivência com o resto da humanidade, supostamente de boa saúde.”
A autora:
Clara Ferreira Alves nasceu em 1956. Foi directora da Casa Fernando Pessoa e da revista literária Tabacaria entre 2004 e 2006. Colabora e colaborou em diversas publicações, tendo-se dedicado durante vários anos ao exercício da crítica literária, assinado diversos trabalhos como Grande Repórter e feito jornalismo de guerra.
Em televisão, foi comentadora e autora de programas culturais na RTP e é uma das comentadoras do programa da SIC Notícias, O Eixo do Mal. É co-autora de dois filmes feitos para a RTP sobre dois escritores portugueses, José Saramago e José Cardoso Pires. É membro do júri do Prémio Pessoa.
Publicou em 2001 o primeiro volume das suas crónicas, A Pluma Caprichosa e Passageiro Assediado, prosa poética a acompanhar desenhos do artista plástico Fernando Calhau. Em 2004, publicou o seu livro de contos, Mala de Senhora e Outras Histórias.
Fonte: http://visao.sapo.pt/
Leia, porque ler é um prazer!
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